terça-feira, 19 de maio de 2020

Qual é o probrema?

Este texto está num documento do Google Drive datado de 2015. Mas eu lembro que tinha escrito ele durante o embate político de 2014 e curiosamente não foi publicado, ou pelo menos não encontrei.
Nesses últimos dias tenho percebido uma certa intolerância com o jeito que algumas pessoas escrevem, vi pessoas criticando o governo federal enquanto aqui no estado do Paraná, quem cuida das escolas que preparam os alunos para provas que dão acesso ao ensino superior é o governo estadual (que infelizmente demonstra que a educação está longe de ser seu foco, pelo menos é o que aparenta). Vi também severas críticas a alguns alunos que passaram no vestibular com redação zerada, vi inúmeros gritos de “analfabeto” e por aí vai. Querendo ou não isso me chamou atenção e fiz um breve exercício tentando pensar em algumas possibilidades para o que tem ocorrido. 

O primeiro ponto que quero comentar é a forma diferente do brasileiro mesmo falar. Somos um país continental, sim, é claro! Mas não é de comparar um gaúcho com um nordestino falando pra descobrir que eles usam palavras diferentes. Nosso país é marcado pela diferença social aliada ao preconceito. O Rio de Janeiro é a cidade que talvez seja a mais conhecida Brasil, destino de turistas do mundo inteiro, nos fornece uma diferença muito curiosa. A forma com que os mais favorecidos financeiramente falam (o pessoal do Leblon, Niterói e por aí vai, ou você pode até considerar o sotaque visto nas novelas) completamente diferente daquele sotaque que você vê a grande massa falando, os cariocas que podemos chamar de normais, trabalhadores e heróis do dia-a-dia que lutam pelo sustento de sua família.

Isso não é tudo, essa forma diferente de pessoas do mesmo lugar falar sempre foi uma característica nossa, desde que éramos uma colônia. No período da escravidão isso deveria ser imensamente eminente. Mais tarde, após o fim da escravidão, obviamente que aqueles que como posso falar... tinham o poder político, sejam os coronéis, os políticos mesmo ou até mesmo aqueles que se achavam a nata da sociedade. No Brasil os mais ricos, sempre arranjaram uma forma de fazer algo que lhes fizessem sentir-se superior, desde as roupas que usavam até a linguagem que falavam. Assim surgiu o Vossa Senhoria, Vossa Alteza, Vossa Magnificência, Digníssimo, Vossa Majestade e todas essas coisas que particularmente acho muito chato. Creio que tudo isso surgiu apenas como um modo de auto-afirmação, de sou melhor que você e todo aquele negócio preconceituoso que sempre existiu no Brasil. Talvez por isso o "juridiquês", que adota palavras tão incomuns, seja a forma mais escondida dessa diferenciação, afinal tem-se como um pré-conceito que os advogados são das classes mais favorecidas. O fato de tentar falar o mais correto possível sempre fez alguns acharem que são mais que outros e foi assim que surgiu alguns grandes nomes que só vemos no nosso Brasilzão: o Wellington, o Richarlysson, o Wandercleide, o Valdisnei, Neymar e por aí vai. Porque existem esses nomes? Na minha visão isso é meio que simples, porque ter um nome "internacionalizado" é chique, é bonito, parece gente que veio de fora e é rica. 

Outro ponto que queria comentar é o seguinte, por um texto que alguém escreve você consegue perceber se a outra pessoa é inteligente?? Creio que não, não é por ela saber quando usar o gerúndio que você descobre se ela é inteligente, não é por saber a morfossintaxe das palavras que ela é esperta. Sabe conjugar o verbo? Legal camarada, mas e daí? Daí que se você não sabe, você não é burro! Duvido que metade das pessoas que por algum motivo estão lendo este texto lembrem o que é um adverbio ou o que é um período composto por subordinação. Eu não lembro, quem é que lembrar depois de um mês da prova? Garanto que são poucos…

Ainda quero comentar brevemente o fato de estarmos numa língua viva, uma língua em que todo dia surgem palavras novas, palavras de outras línguas que são incorporadas a nossa. Parem com essa burrice, tuitar é um verbo e está no Aurélio, nossa língua muda constantemente, tem que ser muito idiota pra não perceber isso. E outra coisa, o português brasileiro é uma língua totalmente diferente do português falado em Portugal. Falando em Portugal, veja que legal: quando o príncipe Willian vai a Portugal e vai sentar na mesa do seu banquete, adivinha o nome que está escrito nela? Se você pensou Willian você errou, lá está escrito Guilherme. Lá em Portugal o uso de linguagem estrangeira é restringido afim de proteger sua forma de falar. Sim, proteger. E até novelas da Globo os portugueses mais conservadores cogitam em dublar para não correr o risco da população portuguesa perder parte da sua identidade cultural.

Estranho não? 

Então pra finalizar e isso não ficar muito extenso, creio que nunca antes na história da humanidade houve tantas pessoas escrevendo, nunca! Muitas pessoas hoje que tem lá seus 40, 50 anos e estudaram apenas o que era acessível quando criança estão na internet escrevendo e se comunicando com os outros. Faça um breve exercício de lógica: você via mais pessoas errando na hora de escrever quando você abria uma carta endereçada a ti ou hoje onde você publica um breve texto e pode ser lido por centenas? Você vai questionar: mas e essa galera que tem 15, 16 anos e escreve errado? Pois bem, eles são o futuro. A nossa língua é viva e por isso tivemos um acordo ortográfico que aposto que apenas o Brasil está “seguindo” ele. Falando nisso, connfesso que escrever heroi ao invés de herói é meio estranho e não quero mudar isso. A forma que eles usam para se comunicar não pode ser considerada errada, pois linguistas consideram que desde que uma pessoa faça a outra entender aquilo que ela quis dizer, a linguagem utilizada está correta. E se você não entende, paciência. Provavelmente você não seja o público alvo. E vendo por este ângulo, a comunicação que eles usam é extremamente mais prática e eficaz do que longos discursos apenas para escrever/dizer algo relativamente fácil. 

Então se você se acha mais inteligente que alguém apenas pela forma que você fala ou escreve, lembre que nem tudo é perfecto e que você pode estar a trocar alhos por bugalhos.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Saldo das Eleições

Este texto foi escrito logo após o final das eleições de 2014, foi postado em 27/10/14. Naquele momento lembro que resolvi ter um momento de reflexão sobre o que estava acontecendo no nosso país. Então foi natural acabar escrevendo o que pensava fazer mais sentido. Gosto muito do que saiu, e tive alguns bons feedbacks incluindo um grande elogio de um professor de filosofia. 
Dia 28 de agosto (2014), ao final da partida de futebol entre Grêmio e Santos o assunto mais comentado não era o resultado e sim um triste acontecimento. No decorrer do jogo parte da torcida gremista almejou gritos de raiva, desprezo, racismo… O ato ganhou um rosto, o de Patrícia Moreira, mas sua vida não teve a mesma sorte, foi jogada no lixo. O azar que ela levou ao ser focada pelas câmeras de televisão lhe renderam ameaças de estupro, morte, entre várias outras coisas que convenhamos não eram necessários. Sua casa foi depredada e seu dia-a-dia dificilmente será o mesmo. Este é o povo brasileiro? É assim que ele age? Sabemos que foi um preço muito alto a ser cobrado dela pelo ato de vários torcedores.


Algum tempo se passou e chegamos ao período eleitoral. Tivemos dois candidatos que trouxeram nas suas ideias algumas discussões que mais cedo ou mais tarde se fará presente novamente, e de certa forma vejo elas como caminhos naturais que tendem a ser seguidos.

A ideia que gostaria de comentar é a criminalização da homofobia, acho essencial algo assim ser debatido a partir dos direitos humanos e nos direitos previstos na constituição. Pergunto-te: você conhece algum gay, agora me diga se ele é menos humano que você apenas por isso? É motivo pra sair escandalizando e pedindo socorro? Não! Sabemos que estamos juntos na sociedade e convivemos bem, isso na maioria dos casos porque existem algumas pessoas que por algum motivo não conseguem conviver com ideias diferentes e partem pra ignorância, ofensa e em casos extremos até a agressão física. Comentei isso para passar o retrato do que eu enxerguei nessas eleições. Podemos considerar a homofobia como uma forma de racismo e como forma de violência ao outro e seus direitos, o resultado desse tipo de atitude levou a humanidade á capítulos nefastos de história, mas vamos chamar estes casos e outros desse gênero apenas como “preconceito”. 

Voltando um pouco na história do Brasil, vemos que quase sempre o presidente vem de classes sociais favorecidas pela abundância de riquezas. Da TV ainda de quando criança vem lembranças embaraçosas de reportagens sobre a fome, a miséria, a desigualdade, eu nem sabia muito bem o que significava. Uma pesquisa rápida por reportagens da época mostra o desinteresse em mudar este cenário brasileiro, era um quem tem, tem, quem não tem, não me importa. Foi então que alguém considerado normal pelo povo e “anarfa” pelos “ricos” chegou à presidência.

Luiz Inácio Lula da Silva, o cara que tem um dedo a menos e pelas palavras de um amigo, o maior presidente que o Brasil já teve e um dos maiores que o mundo já conheceu. O que ele fez? Entre várias coisas vou falar que ele tirou o país do mapa da fome. Isso pode não ter mudado a minha vida, talvez não a sua, mas para ter uma ideia do tamanho da mudança compare um simples mapa de IDH-M do Brasil em 2000 e em 2010. Se antes não havia como fazer isso, depois que alguém do povo chegou lá, uma maneira foi encontrada.

Retornando ao preconceito, Lula carregou um monte deles e a maioria vinha dos mais ricos. De não saber falar inglês ao fato de apreciar uma cachaça de vez em quando, por ser um trabalhador das metalúrgicas paulistas. Cachaceiro! É isso que alguns falam sobre ele, mas uma cena de embriaguez e Lula juntos eu recordo apenas a que tinha Vampeta junto em 2002. Comentei isso porque temos um candidato que se negou a fazer o famoso teste do bafômetro, existe um vídeo que circula na internet mostrando que sóbrio não era exatamente o estado dele. Podia cometer acidentes, tirar a vida de outras pessoas como já aconteceu com aliados políticos dele no Paraná, o caso do ex-deputado Fernando Ribas Carli Filho que embriagado provocou um grave acidente que matou dois jovens em Curitiba e ainda não foi a julgamento, mas nada se comenta. É como se o fato dele ser “rico” e não do povo tirasse todo o preconceito e pré-julgamento que poderia ocorrer.

Numa outra instância, os protestos no Brasil no ano passado tiveram muito vandalismo esse fato é visto por muitos como motivo para votar num partido, nestes casos os que usaram este argumento para decidir seu voto apontam o acontecimento na sede da editora Abril como um fator de superioridade, de sou melhor que eles, porque voto no outro candidato e não é assim que se faz democracia quando no final das contas os dois fizeram praticamente a mesma coisa. Os ideais das duas situações eram praticamente os mesmos, defender alguma linha de raciocínio, a diferença é que o primeiro é usado por muitos como uma liberdade de expressão, de lutar por um ideal, contra ideias políticas, um movimento apartidário e desunido que "depredou" sem apontar culpados, o segundo leva a mesma intenção, mas o foco da "revolta" seria apenas um e apesar de não ser diretamente, ataca uma ideia política contrária.

Sempre estudei em escolas públicas e ela me forneceu os conhecimentos básicos que me serviram de base até chegar à universidade pública, pude criar e aproveitar minha oportunidade, entrei lá e me formarei assim como quem talvez investiu em escolas particulares por toda vida, sairemos de lá com a mesma graduação, iguais. Mas esse período eleitoral mostrou que talvez alguns não gostem disso, após declarar minha decisão de voto, comecei a sentir um certo desprezo de algumas pessoas, porque parecia que “eles” eram “melhores” por decidir votar num candidato diferente. Era o sentimento que eu tinha, que o outro se achava superior por não votar no mesmo candidato. No Facebook  mesmo foi um festival de bloqueios apenas por tentar discutir ideias.

Vivemos num Brasil que é assim, onde os mais “ricos” são mais miseráveis que os pobres, se preocupam mais com 70 reais que não está no bolso deles do que aqueles 70 reais que podem estar matando a fome, salvando vidas e melhorando a saúde. Não aceitam a distribuição de renda e se pudessem, não acho impossível, derrubariam a lei Áurea, certamente fundariam uma nova escravatura um pouco disfarçada. 

Estes são os nossos “ricos”, não gostam de ver os menos favorecidos lutando e conseguindo com muito custo as suas coisas. O Brasil do patrão não gosta de saber que seu empregado vai viajar nas férias e considera esta situação uma tremenda inversão de valores. Dos patrões que ficam com o pé atrás quando sua empregada aparece com um celular novo ou ao curioso caso de hostilidade ao ver que uma pessoa “pobre” estava no aeroporto para viajar. O Brasil do sudeste apontando o dedo e afirmando que o norte e nordeste não sabem votar, mas quando pegamos os paulistas mais votados temos dois casos no mínimo curiosos. A nação que esquece a importância do mesmo nordeste na formação econômica brasileira, mas lembra na hora de falar mal. O país onde notícias carimbadas com a etiqueta de falsa são redirecionadas a grupos religiosos como verdadeira e com o intuito de passar uma imagem de ódio e menosprezo.

Enfim, poderia continuar a escrever sobre isso e histórias não faltariam, mas queria apenas deixar registrada esta breve reflexão. Este é o Brasil em que vivemos: um Brasil que mostra uma sociedade que ainda tem muito o que evoluir e que tenta esconder, mas no fundo se revela um país do preconceito e da ignorância.

domingo, 17 de maio de 2020

A falta de governabilidade

Vou tentar contar uma historinha aqui. Lá em 2013 houveram alguns protestos nas ruas. Eu estive lá, você também esteve ou pelo menos conhece alguém que estava lá. Claro que depois de algum tempo teve muita gente quem nem sabia mais porque estava lá, tinha muita gente por motivos bastante diferentes. Mas se fosse para resumir em um único motivo eu diria que quem estava lá estava cansado dos políticos não estarem governando para o povo, não estarem representando o povo. Pessoas que estavam cansadas dos vintes centavos aqui e acolá, cansadas de serem tratadas como palhaças. Lembram de 2013 mesmo, e em 2014 quando nos jogos de Copa das Confederações e Copa do Mundo a presidente foi vaiada por vários minutos em estádios lotados?
Depois da reeleição de Dilma em 2014, seu segundo mandato começou de uma forma bastante conturbada. A indignação da parte derrotada acabou, ao longo do tempo, colaborando para a falta de governabilidade, e assim para o impeachment.

Ó céus! O que é essa tal de falta de governabilidade?

Para explicar de uma forma rápida: a equipe presidencial não consegue governar, tomar decisões sozinha, ela precisa ter o apoio do congresso em suas instancias (senado e câmara). E por algum motivo ela, que tinha a maior base durante a eleição, acabou perdendo este apoio aos poucos durante o governo. Até tentar trazer o Lula para o governo ela tentou, mas a decisão acabou sendo barrada pelo STF. Lula poderia ser uma solução naquele momento pois sempre conseguiu articular muito bem os projetos do seu governo com o congresso, algo totalmente diferente do que acontecia naquele segundo mandato da presidente Dilma.
O país viveu o final de suas políticas de incentivo ao consumo (um dos principais motivos do grande crescimento nos anos anteriores), e a falta de governabilidade da presidente acabou resultando em inúmeras tentativas falhas de tentar diminuir a brusca desaceleração econômica. As investigações sobre corrupção continuaram, e como um presidente deve fazer, Dilma não se intrometeu nelas e viu até seus aliados serem investigados, e condenados. E adivinha? Isso também ajudou ela a perder apoio político para seus projetos.
Sem o apoio, sem governabilidade, cada tentativa de fazer algo pela nossa economia acabava parecendo uma tentativa de apagar o fogo com querosene. E depois disso nós acabamos chegando ao momento do pedido de impeachment.
Lembram daquelas cenas de um filme de terror, daquela aberração que chamaram de votação para o impeachment? Acho que no final das contas todo mundo que assistiu aquilo ficou com vergonha daqueles caras serem os que criam e votam nossas leis. Mas dois anos depois muita gente se esqueceu daquela aberração e ajudou na reeleição de muitos daqueles deputados e senadores.
Mas a verdade é que o impeachment não ocorreu para salvar a família, não foi por Deus, não foi pela nação brasileira. A verdade é que hoje vemos que o impedimento definitivamente não foi por causa das pedaladas (pois depois da saída de Dilma o presidente Temer acabou conseguindo deixar as pedaladas “dentro da lei."). Talvez tenha sido mesmo a indignação da parte derrotada num cenário de grandes investigações sobre corrupção (será que alguns estavam com medo?).
Enfim, tudo isso ajudou a criar uma imagem de ódio a Dilma. O simples fato dela ser uma mulher numa sociedade extremamente machista criou uma imagem onde vimos até outras mulheres “torcendo contra”, desejando doenças, desejando que ela se f... e até desejando sua morte.
Ao final de todo este episódio nós não podemos dizer que Dilma desrespeitou a democracia.
Depois da saída da presidente, de forma estranha passei a ver menos investigações sobre corrupção, ou pelo menos passei a ver as investigações perderem o poder de divulgação que tinham antes...
E hoje temos até um Presidente que quer saber, ter o controle sobre investigações que incluem o nome de alguns aliados e familiares. Presidente este aliás, eleito com grande apoio da bancada BBB (boi, bala e bíblia), vem conseguindo revoltar grande parte da sua base aliada. E vem tentando, num ato covarde, impulsionar aqueles poucos que ainda o apoiam a se revoltar contra aquilo que mostra explicitamente sua incapacidade em governar, e se revoltar também contra algumas investigações que parecem lhe prejudicar.
Constituição? Ele nunca deve ter lido pois sempre demonstrou um grande preconceito, desejando até mortes, afinal de contas, para ele o "pobre devia morrer", o negro ser escravo e o gay deveria apanhar. Algo bastante diferente da nossa constituição que defende do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança (está lá no artigo 5º da Constituição Federal, já leu?).
Este presidente não tem um cérebro, não tem governabilidade e às vezes nem parece que queria ter se candidatado ao cargo, pois não quer assumir as responsabilidades necessárias. E é bizarro a forma que ele se recusa a aceitar que é o presidente e que seus atos irão sim virar notícia.
No final das contas ele pode até não ser coveiro, não ser médico... mas suas palavras ajudam a colocar “sangue” nas mãos de seus eleitores. Alguns já estão envergonhados, alguns arrependidos, outros já pedem pra ele sair de lá o quanto antes... e outros continuam mugindo.


segunda-feira, 11 de maio de 2020

O Brasil da pátria amada esqueceu que era para ser um país de todos.

Hoje começaram as inscrições para o Enem, e como todos aqui devem saber, tudo o que tem se falado sobre a prova tem ganhado uma grande repercussão. Então decidi escrever o meu ponto de vista sobre a campanha realizada pelo ministério da Educação para a promoção Enem. Na primeira tomada vemos um estudante com dois celulares, dentre eles um IPhone e aparentemente um Galaxy S10, apoiados num tripé que eu nunca vi à venda por um preço acessível.


Na segunda tomada, uma estudante ao lado de seu MacBook começa a falar para você ESTUDAR de qualquer lugar, de diferentes formas, pela Internet, enfim... falou praticamente para que os estudantes "se virem". Mais ao final, uma outra estudante grava outra cena e ao pausar ela somos surpreendidos com o fato dela também possuir um Iphone, que está equipado com um microfone da Rode e mais um outro super tripé. Todos os takes com prateleiras de livros lindas, livros num estado tão "novo" que nem parecem terem sido emprestadas de alguma biblioteca pública, que é para muitos a única forma de ter um livro em suas mãos.



Este é o Brasil da "pátria amada", a representação do estudante ali colocada é a do estudante de classe A e B. A representação daqueles alunos que passaram pelo ensino fundamental e médio nas melhores escolas de sua cidade, onde as mensalidades custam mais que um salário mínimo. Este estudante médio, que o ministério da educação quis retratar, despertou a curiosidade para saber quantos % dos estudantes brasileiros eles conseguiram de fato representar.


Se bem me lembro, outro dia li uma reportagem falando que mais de 30% dos estudantes brasileiros não possuem acesso a Internet. Será mesmo que, como eu vejo muito aqui no LinkedIn, é apenas a pessoa ter vontade, empreender e conseguir seu acesso a Internet? Ou será que o governo deveria pensar o por que que estes 30% não possuem acesso? E quem garante que dentro dos outros 70% todos possuem uma internet boa o suficiente para acompanhar suas vídeo-aulas em boa qualidade? Será mesmo que todos os alunos dentro do Brasil possuem um super smartphone, um notebook ou até mesmo um "pc" para conseguir acompanhar vídeo-aulas? Faz algum tempo que eu saí do ensino médio, mas lá no começo da década eu estudava de manhã e trabalhava a tarde para conseguir comprar as coisas que eu precisava, como o uniforme escolar, os materiais e mais tarde depois de juntar dinheiro por muito tempo, um computador. Lembro que muita gente dependia do colégio para fazer suas inscrições para as provas, sejam o PSS, o vestibular, Enem e até mesmo as OBMEP. Talvez as coisas tenham mudado de lá pra cá, mas pensar nisso é querer entrar numa bolha que não faço parte.
Querer que o Brasil seja representado desta forma é curioso, alguns dados recentes do índice de Gini (que para quem não sabe é um índice que tenta mensurar a desigualdade social dentro dos países) mostra que somos o sétimo país da lista. O sétimo país de baixo pra cima, ou seja, o sétimo país mais desigual do mundo. Reportagens mostram que 2,7% das famílias brasileiras concentram 20% de toda a renda brasileira. Estes devem viver numa bolha, e a propaganda do Enem realmente conseguiu representá-los. Mas o mundo fora desta bolha é diferente, se buscarmos alguns dados internos do nosso país, conseguimos claramente entender o porque de tanta desigualdade, o porque de tudo isso acaba justificando. Mas vivemos num governo que o estudo social é visto como algo inútil, desnecessário. E as coisas acabam saindo "do jeito que tá aí".
Apenas para simplificar, alguns dados recentes mostram que mais da metade dos brasileiros recebem menos de um salário mínimo ao mês. 35,7% da população não possui coleta de esgoto em sua residência, somos o 112º país no ranking de saneamento. Dados indicam que a extrema pobreza voltou a ser uma crescente, e nós voltamos a ver reportagens sobre a fome, algo que lembro ser bastante comum quando era criança lá nos anos 90. Estamos próximos ao maior nível de desemprego da nossa história, e conforme entrevista de um secretário do Ministério da Fazenda, a perspectiva do desemprego em meio a pandemia é do número praticamente dobrar. E a incompetência do governo é assumida quando o secretário enuncia que “A gente pega muito dinheiro do povo, mas usa mal”.


O Brasil tinha conseguido mudar sua situação, tivemos grandes evoluções desde a crise de 98 até parte desta década. Se pegarmos um mapa de IDH deste período poderíamos até ficar orgulhosos, pois de fato houve estímulo ao desenvolvimento em grande parte do Brasil. Vivemos o melhor momento da nossa economia, com o menor índice de desemprego da história, com o varejo e o setor de serviços mostrando sua força e assumindo o principal papel na roda da nossa economia. E não era à toa, o governo soube incentivar muito bem para que tudo isso acontecesse, lembram da isenção de IPI? Mas de determinado momento pra cá, a continuidade foi perdida. E a promessa de uma retomada e até de uma renovação, de reformas... de fazer o que deveria ser feito, foi uma promessa enganosa.
Depois de toda esta abertura para falar sobre a situação sócio-econômica do Brasil, quero voltar a falar do Enem. Não sou o único a pensar que a Educação é a principal ferramenta para o desenvolvimento de um país. Nas salas de aula cresci com professores contando que o Japão conseguiu se recuperar de duas bombas atômicas e virar uma super potência tecnológica graças ao investimento na educação. Por que deveria pensar diferente?


Quando assisti a propaganda me questionei porque eles quiseram representar aquilo que não reflete a maioria dos brasileiros. Por que fazer uma propaganda focada claramente naqueles que se não conseguirem uma vaga em alguma universidade pública com toda certeza conseguirão ainda pagar por uma graduação? O foco do governo está correto? A educação se mostra como uma grande variável para o aumento da renda de uma família. E sim, deve ser uma preocupação do governo em querer que isso seja cada vez mais acessível. A conta é simples: famílias com maior renda possuem maior poder de compra, e assim toda a roda da economia pode girar mais rápido. O governo em todos os níveis, ao promover uma prova tão abrangente quanto esta, deve estar lá para fazer isso acontecer. Caso contrário este exame perde totalmente o sentido. Então não é difícil concluir que a propaganda do Enem destinou-se a alguma base eleitoral que praticamente não inclui os brasileiros, até pelo contrário, exclui. É triste, mas a exclusão está muito presente dentro do nosso dia-a-dia. Muitos, por exemplo, lembram dos menos favorecidos apenas na hora de bater a foto de sua "caridade" no Natal.
Não foram poucas as manifestações nos últimos anos pedindo por maior responsabilidade dos gastos públicos. E dinheiro nós sabemos que o país tem, se você duvida por favor pesquise por impostômetro. O que falta é querer gastar da forma correta. Afinal de contas, quem é que precisa de auxílio terno? Ou de auxílio moradia? Porque eles tem vale refeição? Ainda mais quando se tem um salário astronômico para o padrão da nossa sociedade. Como pode isso não ser incomodo pra ninguém, mas aqueles 80 reais do Bolsa Família que ajuda muitas famílias a simplesmente "comprar alimentos" consegue revoltar tanta gente?

Claro que daqui a quatro ou cinco anos surgirão novos mártires, novos heróis nacionais que conseguiram sair da extrema pobreza para conseguir um diploma que vai lhe colocar na mesma c ondição daquele cara que estudou a vida inteira na escola particular e fez uma universidade pública quando for procurar um emprego. E talvez este novo mártir consiga o emprego enquanto o outro irá achar injusto, pois pensa ser melhor do que um "ex-favelado", ou um "ex-caipira". Mas sabemos que é muito pelo contrário, quem vem dos meios mais carentes tende a se comprometer muito mais do que os outros. Toda esta grande propaganda por trás destes sofridos heróis é idolatrada por muitos, sem falar daqueles que disparam para todos os outros que "quem quer consegue". Mas quem fala isso normalmente pensa que passar fome é ficar sem seu jantar. A soma de tudo isso acaba mostrando a inconsciência social dos brasileiros. E claro, reflete também a incompetência do nosso Estado, que de sua obrigação a promover a educação a todos, prefere fazer cafuné naqueles que pela sua condição social nem deveriam ser lembrados, mas são os que conseguem fazer a maior birra.

E no final das contas é isso. Muitos falam que o problema do Brasil é estrutural, e não tem muito como fugir disso. Precisamos evoluir muito ainda para que possamos ser uma sociedade melhor. Mas infelizmente aqueles que conseguem fazer barulho não estão preocupados com isso.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Devo me preocupar com o preço do dólar?

A galera não tá ligada no que o preço do dólar pode fazer na nossa economia. Não é só os Xiaomis mais caros não, nem só a sua Netflix, ou sua passagem pra Orlando. Não é porque seu combustível agora está mais barato que o preço do dólar deve deixar de te incomodar.<br />
Coisas mais importantes serão impactadas por isso, coisas que vão literalmente chegar à mesa de todos. O preço do PÃOZINHO por exemplo, para quem não sabe nós importamos em média 6 milhões de toneladas de trigo ao ano.<br />
"Ain mais um real ou dois a mais por dia não vai fazer diferença pra mim, mimimi popopo". Mas já parou pra pensar que mais de metade dos Brasileiros sobrevivem com menos de um salário mínimo ao mês? Falta muito para sermos uma sociedade e a aversão a quem anda por aí com a camiseta da CBF continua crescendo.