domingo, 6 de junho de 2021

Eu tinha um primo

Para entender o contexto deste texto, tem-se que ter em mente que eu escrevi na época das eleições de 2018 (mais precisamente em 24 de outubro de 2018) e nunca cheguei a publicar ele em nenhum lugar da internet porque é um assunto que iria deixar o lado minion da família e que eu nem tenho muito contato um tanto revoltados, mas acho que poderia mexer demais com a parte da família que importa, que sentem até hoje a falta dele

Eu tinha um primo que eu chamava de Vinicius. Lembro que quando éramos pequenos, ele me ensinou a jogar xadrez, e momentos depois eu ganhei uma partida dele. Eu nunca vou saber se ele deixou, ou se eu ganhei por mim mesmo.

Quando eu era pequeno, sempre era visto como o menino prodígio, aquele cara super inteligente, que iria ser um grande engenheiro, um cara fodão na vida. Já na quarta série, eu fui escolhido entre os 3 alunos da minha escola para fazer a prova do Rotary. Mas eu não ganhei, não tive nenhuma premiação. Mas este primo meu, ele era um ano mais novo, ele foi chamado para fazer a prova e acabou ganhando a maior premiação. E a partir deste momento, toda a família se voltou para ele, o grande gênio da família, aquele cara superinteligente, que devia obrigatoriamente saber sobre todos os assuntos. Para quem cobrava no dia a dia, pode até não parecer uma grande cobrança, mas eu já senti um pouco disso, e sei o quão pesado é este fardo. Não existem tão poucos Maciéis por aí não.

Com o passar do tempo ele continuou sua jornada, e num vestibular que fez para a UEPG, ele simplesmente bateu o recorde de pontos. Ele foi manchete em todos os jornais da cidade, estampou inúmeros banners pela cidade. Ele também decidiu fazer a prova para a UFPR, e como já era de se esperar, ele também passou. Ele foi estudar na capital, e acabou se conhecendo um pouco mais. Ele descobriu que não gostava exatamente de meninas. Mas que mal isso poderia trazer? Estas coisas simplesmente são, não existe explicação, é algo natural do homem como ser humano, como animal.

Mas infelizmente, estas coisas não são muito fáceis hoje em dia, existem muitas pessoas que não toleram que os outros pensem diferente. Eu devo ter imaginado o que ele passou, fico pensando algumas das barbáries que ele possa ter escutado por aí. Às vezes pode nem parecer algo gigantescamente grosseiro, mas não precisa ser, às vezes apenas um simples ato de discordância é o suficiente para deprimir uma pessoa. E em dado momento, ele estava com depressão. Não é fácil lutar contra a depressão, não foi fácil para seus pais, suas irmãs. Foi uma verdadeira batalha.

Lembro da última vez que eu o vi, eu estava esperando ônibus no terminal e ele me reconheceu mesmo depois de tanto tempo sem nos vermos. Ele veio me cumprimentar, saber como a minha vida estava, e contou que estava indo visitar um amigo. Eu fiquei contente por ele. Fiquei contente por saber que naquele momento ele estava bem.

Esta foi a última vez que eu vi falar dele antes da notícia de seu óbito. Eu não sei se ele não conseguiu mais batalhar contra a depressão, não sei se as cobranças em cima dele foram grandes demais, não sei se ele foi vítima de alguma hostilidade apenas por gostar de meninos. Eu só soube que o corpo dele foi encontrado num prédio ainda em construção. Simplesmente não soubemos o que realmente aconteceu. Eu sei que foi assim que nossa família perdeu uma das pessoas mais inteligentes que eu já vi nesta vida. Foi assim. E eu não consigo aceitar isso até hoje, eu não tive coragem de ir no seu velório, nem de visitar seus pais e tentar confortá-los. Eu não consegui porque eu mesmo não consegui superar isso até hoje. Ele foi vítima de algo que não deveria nunca ter existido.

Se hoje ele estivesse vivo, ele nunca iria votar num candidato que disse preferir ter um filho morto num acidente do que um filho gay. Toda a família sabe que nosso mundo seria muito melhor se ele ainda estivesse ao nosso lado.

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